sábado, 27 de março de 2010

(VI) O CRISTIANÍSMO E A PRÉ EXISTÊNCIA DA ALMA

Contrariando a essência das doutrinas orientais, a maioria das religiões ocidentais que se intitulam cristãs, tenham elas suas raízes no cristianismo moldado por Constantino, ou nascidas das discordâncias que pautaram a sua estrada, negam a pré-existência da alma porque um versículo do novo testamento diz:
• Epístola aos Hebreus 9:27.”Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo final”
Entretanto, o que é dito nos seguintes versículos contraria frontalmente a Epistola aos Hebreus, porque segundo Mateus, Jesus disse aos apóstolos que João Batista era a reencarnação do profeta Elias:
• Mateus 11:13-15. Porque os profetas e a lei tiveram a palavra até João. E, se quereis compreender, é ele o Elias que devia voltar. Quem tem ouvido que me ouça.
• Mateus 17:12-13. Mas eu vos digo que Elias já veio, mas não o conheceram; antes, fizeram com ele quanto quiseram. Do mesmo modo farão sofrer o Filho do homem. Os discípulos compreenderam, então, que ele lhes falava de João Batista.
Ao longo dos primeiros séculos da nossa era, entretanto, devido à simbiose entre as religiões pagãs e o cristianismo nascente, a reencarnação era um dos componentes da teologia desse ultimo, porque os pais da igreja cristã, entre eles Orígenes de Alexandria, através dos seus textos afirmavam que a reencarnação fazia parte do pensamento cristão.
Foi no segundo século da era cristã que Orígenes de Alexandria, teólogo e exegeta - aquele que se dedica à interpretação, explicação e comentários gramaticais, históricos e jurídicos da Bíblia, escreveu na sua obra “sui principi”, obra esta que na oportunidade fazia parte dos livros canônicos, que algumas pessoas, devido a sua inclinação ao mal e a associação a paixões irracionais, depois de morrerem, vencido o período de permanência na forma humana, renasciam como animais até pagarem seus débitos.
Orígenes foi considerado um dos mais ilustres estudiosos da Bíblia, da Igreja, e das suas origens. Participou na elaboração do novo testamento, foi um prolífico autor de epistolas, tratados de teologia dogmática e pratica, alem de apologias e obras exegéticas famosas como a “Esapla”, uma das primeiras edições Bíblicas comparadas. As suas afirmações, relativas a preexistência da alma, e todas as teorias que se desenvolveram a partir daquele pensamento, foram matéria de importantes controvérsias na igreja da idade média. Porem, como as leis da igreja continuavam sendo alteradas pelos imperadores - antes que esta estratégia passasse à esfera papal – porque utilizavam a religião para se fortalecerem politicamente, mais uma vez no ano 553 isso se repetiu. Naquele ano, o Imperador Giustiniano I, utilizando o quinto Concílio Ecumênico, o segundo de Constantinopla - nome dado por Constantino I à antiga Bizâncio quando passou a ser a sede do império do ocidente, submetendo-se mais uma vez aos desejos capciosos de sua esposa, a imperatriz Teodora, ordenou a prisão do Papa Silvério - que havia sido eleito em Roma um ano antes - e nomeou para substituí-lo Virgilio, o núncio apostólico daquela cidade, depois que este prometera ajudar a imperatriz a destruir a crença da reencarnação.
A respeito de Teodora sabe-se que era filha de um tratador de ursos do hipódromo e que tivera uma juventude desregrada, escandalizando a cidade com suas aventuras de atriz e dançarina. Não se sabe exatamente como Justiniano a conheceu. Seu matrimônio com a antiga bailarina de circo e prostituta teve grande importância, uma vez que ela iria influenciar decisivamente em algumas questões políticas e religiosas. Ela, que não tolerava concorrência quando decidia “seduzir” um homem, sem nenhum escrúpulo mandava assassinar as mulheres que lhe atravessavam o caminho. Quando soube que as almas reencarnavam, ficou preocupada com a possibilidade da reencarnação daquelas que havia mandado executar, entendendo que poderiam voltar para se vingar. O que fazer, então? Acreditando que como imperadora podia extirpar o “mal” em sua raiz, decidiu que a reencarnação devia ser eliminada da teologia cristã.
Virgilio, o novo Pontífice, para cumprir a sua parte no acordo, não participou do quinto concilio, e sem a sua presença os 160 religiosos presentes não tiveram como defender a continuidade da tese da preexistência da alma diante da pressão do imperador para eliminá-la. Foi assim que o imperador Justiniano I se viu livre para proclamar livremente seu anátema contra Orígenes de Alexandria. Não só o excomungou, mas afirmou que se alguém viesse a afiançar novamente que a alma transmigra de um corpo para o outro, seria maldito.
A partir do “consenso” daquele Concilio, falar em reencarnação passou a ser sinônimo de heresia, e este posicionamento pós-fim a qualquer outra discussão séria a respeito da transmigração da alma. Tornando-se um dogma “uma decisão tomada, tida como certa, e conseqüentemente indiscutível”, passou a ser um assunto proibido não só no âmbito eclesiástico, mas também por todos os católicos.
Esse dogma, ao longo dos anos, passou a ser absorvido por todas as religiões que, cada uma ao seu modo, pregam o cristianismo.
Os pais da igreja, inseridos no contesto do poder eclesiástico, já antes do concilio de Nicéia interpretavam, explicavam ou comentavam as escrituras cristãs - naquela época uma constelação muito vasta de textos, incluindo entre eles o evangelho dos hebreus, hebronitas e nazarenos, que eram vistos com desdém pelos mencionados eruditos: Ireneu, Epifano, Teodoreto, Orígenes de Alexandria e outros.
Muitos séculos e muitos erros depois, quando finalmente a Bíblia deixou de ser de propriedade exclusiva da igreja romana, e, traduzida para todas as línguas do planeta se popularizou, para torná-la mais atraente, fizeram escrever nela que o cristão ao lê-la deve interpretar seus textos de acordo com o que é dito na pagina onze:
“Recomendamos ao leitor da Bíblia procurar desenvolver em si a consciência dos cinco sentidos”, indispensáveis para conseguir uma verdadeira leitura cristã: o sentido da fé vivida na igreja (como se Deus só se manifestasse através dela, ou se o único caminho para ir a Ele obrigatoriamente passasse pelo seu Interior), o sentido da historia, o sentido do movimento progressivo da revelação, o sentido da relatividade das palavras e, o que sintetiza tudo o mais, o bom senso. Uma tentativa de corrigir o incorrigível.

( V ) CONCÍLIO DE NICEIA

No ano 325 o Imperador Constantino I convocou um Concilio Ecumênico - o primeiro do cristianismo – que se realizou na cidade de Nicéia com o objetivo de “divinizar” Jesus e aproveitar a oportunidade para eliminar as divergências entre católicos ortodoxos e gnósticos.
Neste encontro, que contou com a presencia de 318 bispos em sua maioria da parte oriental do Império Romano, Ario compareceu com o seu “ato de fé”, ou seja, o seu credo. Quando Eusébio, lendo-o, afirmou que a natureza de Jesus não era igual a do Pai, Deus – em síntese a tese ariana – provocou uma acerbada discussão no fim da qual a maioria se posicionou a favor do que veio a ser chamado o credo de Nicéia: “A substancia do Pai gerou o Filho, portanto, o Filho é igual ao Pai”.
O credo de Nicéia, entretanto, não esteve sujeito a nenhuma inspiração sublime, porque foi pura e simplesmente o resultado de uma votação onde os presentes, “de acordo com seus pontos de vista”, para não mencionar que era o que o imperador exigia, tiveram que se posicionar em relação a duas teses:
• A tese ortodoxa: “A substancia do Pai gerou o Filho, portanto o Filho é igual ao Pai”.
• A tese Ariana: a natureza de Jesus não era igual a do Pai, Deus.
Esse referendum consagrou a vitória política que Constantino I almejava, porque a maioria absoluta dos bispos se manifestou a favor da tese ortodoxa. Com esta decisão, Jesus, por ser da mesma substancia do Pai, estava definitivamente divinizado. Conseqüentemente, o ato de fé de Ario foi publicamente rasgado, o arianismo condenado e seus dois expoentes exilados. Não satisfeitos com isso, e para tentar evitar soluções de continuidade, depois do concílio foi emitida uma ordem que circularizou no meio eclesiástico: todos os documentos gnósticos, incluindo os evangelhos apócrifos, deviam ser queimados.
Nem todos obedeceram. Alguns Monges de um Mosteiro sediado nas adjacências do Nilo, reconhecendo a importância destes papiros que datavam do inicio do cristianismo, optaram por não destruí-los: os esconderam em uma urna de argila que foi enterrada em uma gruta na base do penhasco Djebel El-Tarif.

Constantino, no seu caminho de realizações, consegue levar a efeito a nova organização administrativa do Império, começada no governo de Diocleciano, dividindo-o em quatro Prefeituras, que foram as do Oriente, da Iliria, da Itália e das Galias, que, por sua vez, eram divididas em dioceses dirigidas respectivamente por prefeitos e vigários.
Com a influencia do vencedor da ponte de Mílvius, efetua-se o Concilio Ecumênico de Nicéia para combater o cisma de ario, padre de Alexandria, que negara a divindade do Cristo. Os primeiros dogmas católicos saem, com força de lei, desse parlamento eclesiástico de 325.
Findo o reinado de Constantino, aparecem os seus filhos, que lhe não seguem as tradições. Em seguida, Juliano, sobrinho do imperador, eleva-se ao poder tentando restaurar os deuses antigos, em detrimento da doutrina cristã, embora compreendesse a ineficácia do seu tentâmen.
Mas, por volta do ano 381, surge à figura de Teodosio, que declara o cristianismo religião oficial do Estado, decretando, simultaneamente, a extinção dos derradeiros traços do politeísmo romano. É então que todos os povos reconhecem a grande força moral da doutrina do Crucificado, pelo advento da qual milhares de homens haviam dado a própria vida no campo do martírio e do sacrifício, vendo-se o imperador, em 390, ajoelhar-se humildemente aos pés de Ambrosio, bispo de Milão, a penitenciar-se das crueldades com que reprimira a revolta dos tessalonicenses.
Fonte: livro “A Caminho da Luz” pelo espírito Emmanuel
E psicografado por Francisco Candido Xavier

Depois do Concilio de Nicéia os exegetas receberam a incumbência de reformular as escrituras sagradas: a Bíblia. Esta, para citar alguns exemplos, havia sido trabalhada pelo bispo Melito, em 170, quando tentou excluir, substituindo por outros, alguns livros do velho testamento, e por muitos outros pais da igreja, além de Orígenes, que no ano 254 também fizera inclusões e exclusões. O trabalho era estafante, mas estratégico.
Definidos mais uma vez quais os livros que deviam compor o velho testamento, entre os arcaicos textos da tradição hebraica (este é um dos aspectos que diferenciam a postura da igreja católica em relação às evangélicas, porque enquanto a primeira diz que foi a igreja que criou a bíblia, a segunda afirma que foi a bíblia que criou a igreja porque utiliza a versão judaica do velho testamento) um trabalho importantíssimo, porque se destinava a “construir uma ponte” entre as predições dos velhos profetas judaicos e a herança deixada pelo Divino Mestre ao deixar o mundo material. No entanto, para que a obra não ruísse, havia a necessidade de uma argamassa especial. Essa foi preparada utilizando as versões dos Evangelhos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João


O resultado desse trabalho gerou a ultima versão da bíblia, e esta sancionou definitivamente que Jhwh, o deus de Abraão, era o pai de Jesus. Estes “acertos” de cunho político, foram costurados no inicio do IV século, mas não levaram em consideração que aproximadamente 300 anos antes, Jesus, através de suas atitudes e alocuções, tentou esclarecer que o “deus de Abrão” não era o verdadeiro Deus, não somente desrespeitando as leis impostas pelos sacerdotes hebraicos, mas deixando claro, por meio do segundo mandamento, que o rancor, a vingança e as guerras, mesmo as que se destinavam a tirar dos cananeus as terras que habitavam, deviam ser substituídas pelo “amaras a teu próximo como a ti mesmo,” mesmo se estas eram ditadas por aquele ser que os judeus chamavam seu Deus.
Mateus 22:36-40. Quando os fariseus lhe perguntaram: “Mestre, qual é o maior mandamento da lei?”: respondeu Jesus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo o teu espírito, este é o maior e primeiro mandamento”. E o segundo semelhante a este é: “Amaras teu próximo como a ti mesmo”. Nestes dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas.
As leis judaicas, conforme versículos abaixo, eram discriminatórias e cruéis, e os profetas ”reverenciavam” um deus vingativo e bárbaro que também era chamado o Senhor dos Exércitos, porque levava os soldados de Israel a exterminar os habitantes do território de Canaã afim de lhe tomarem suas terras.
• Deuteronômio 28:15 -30. Mas se não obedeceres à voz do Senhor, teu Deus, se não praticares cuidadosamente todos os seus mandamentos e todas as suas leis que hoje te prescrevo, virão sobre ti e te alcançarão todas estas maldições: serás maldito na cidade e maldito nos campos. Serão malditas tua cesta e tua amassadeira; será maldito o fruto de tuas entranhas, o fruto do teu solo, as crias de tuas vacas e de tuas ovelhas. Serás maldito quando entrares e maldito serás quando saíres.
O Senhor mandará contra ti a maldição, o pânico e a ameaça em todas as tuas empresas, até que sejas destruído e aniquilado sem demora, por causa da perversidade de tuas ações e por me teres abandonado.
O Senhor mandar-te-á a peste, até que ela te tenha apagado da terra em que vais entrar para possuí-la. O Senhor te ferirá de fraqueza, febre e inflamação, febre ardente e secura, carbúnculo e mangra, flagelos que te perseguirão até que pereças.
O céu que está por cima da tua cabeça será de bronze, e o solo será de ferro sob os teus pés.
Em lugar da chuva necessária à tua terra, o Senhor dar-te-á pó e areia, que cairão do céu sobre ti até que pereças.
O Senhor por-te-á em fuga diante dos teus inimigos. Se marchares contra eles por um caminho, por sete caminhos fugirás dele, e serás objeto de horror para todos os reinos da Terra.
Teu cadáver servirá de pasto a todas as aves do céu e a todos os animais da terra, sem que ninguém os expulse.
O Senhor te ferirá da úlcera do Egito, de hemorróidas, de sarna e de dartros incuráveis. Te ferirá de loucura, de cegueira e de embotamento de espírito.
Receberas uma mulher, mas outro a possuirá; construirás uma casa, mas não a habitarás; plantarás uma vinha e não comeras seus frutos.
• Livro de Josué 8:1-8 e 24-27. 1-8: O Senhor disse em seguida a Josué: não temas, nem tenha cuidados. Toma contigo todos os guerreiros e sobe contra Hái. Eis que te entrego o rei de Hái, seu povo, sua cidade e sua terra. Tratarás Hái e seu rei como fizestes com Jericó e seu rei; mas os despojos e os rebanhos reparti-lo-eis entre vos. Poe uma emboscada por detrás da cidade.
Josué pôs se a caminho com todos os guerreiros contra Hái. Escolheu trinta mil homens valentes e fê-los partir durante a noite. Deu-lhes esta ordem:
Atenção! Ponde-vos em emboscada atrás da cidade, mas a pouca distancia, e estais preparados. Eu e todo o povo que está comigo nos aproximaremos de Hái, e quando saírem ao nosso encontro como da primeira vez, nos fugiremos.
Atrai-los-emos em nossa perseguição, longe da cidade, pois dirão: ei-los que fogem diante de nos como da primeira vez. Durante esta retirada, saireis de vossa emboscada e tomareis a cidade, que vos entregará o Senhor, vosso Deus. Depois que a tiverdes tomado, por-lhe-eis fogo segundo a palavra do Senhor. Estas são as minhas ordens.
24-27: Terminado o massacre dos habitantes de Hái, tanto no campo como no deserto, onde tinham vindo em perseguição aos israelitas, depois que todos foram passados ao fio da espada, os vencedores voltaram à cidade e mataram toda a população. O total dos que morreram naquele dia, entre homens e mulheres, foi de doze mil, todos da cidade de Hái. Josué não retirou a mão que ele tinha levantado com a sua lança, até que foram mortos todos os habitantes da Hái. Os israelitas só tomaram os rebanhos e o espolio da cidade, conforme o Senhor tinha ordenado a Josué.
Entretanto, esta conjunção de interesses não passou despercebida, porque como vimos, foram muitas, antes da inquisição, as doutrinas cristãs que não a aceitaram e tentaram desmistifica-la. Como o pai de Jesus poderia ser aquele negociante que ofereceu bens materiais - a terra de Canaã e reis e reinos pósteros - em troca da obediência e da circuncisão dos descendentes de Abrão, se Ele, Filho, foi pessoalmente a antítese desse deus hebraico, porque desde o começo da sua tarefa ensinou a humildade, educou o amor, instruiu o perdão e ensinou a tolerância pregando a fraternidade e a caridade?
De que forma Jesus, repetindo, poderia ser o filho de Jhwh, se este levou por longos anos os hebreus a derramarem o sangue dos cananeus, a trucidá-los, para tomar pela força da espada as terras que eram de sua propriedade?.
• Josué 11: 10-12. Voltando, nessa mesma epoca, Josué tomou Asor e matou á espada seu rei, porque antigamente Asor era a capital de todos esses reinos. Passaram ao fio da espada toda alma viva nessa cidade e votaram-na ao interdito. Nada ficou de tudo o que tinha vida, e incendiou-se Asor. Tomou também Josué todas as cidades desses reis (coligados) e passou-as ao fio da espada, votando-as ao interditado, como Moises, servo do Senhor, tinha ordenado
Enquanto Jesus Cristo, no sermão da montanha dizia:
• Lucas 6: 20-30, dizia. Bem aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem aventurados vos que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem aventurados vós que agora chorais, porque vos alegrareis! Bem aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem, e quando repelirem o vosso nome como infame por causa do Filho do homem! Alegrai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu. Era assim que os pais deles tratavam os profetas. Mas ai de vos, ricos, porque tendes a vossa consolação!Ai de vos, que estais fartos, porque vireis a ter fome! Ai de vos, que agora rides, porquê gemereis e chorareis! Ai de vos, quando vos louvarem os homens, porque assim faziam os pais aos falsos profetas! Digo-vos que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoais os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica. Da a todo o que te pedir; e ao que te tomar não reclames.
A obra de Jesus, alem disso, não se limitou a palavras, mas a atitudes, e estas, jamais em seu beneficio, mas destinadas a aliviar o sofrimento dos enfermos, dos pobres, e daqueles que eram desprezados e humilhados pelas hierarquias socio-político-religiosas. Deixando-se por fim conduzir à cruz, sem esboçar em momento algum qualquer defesa ou resistência, com o fito de ensinar ao mundo que a morte não é o fim, mas só uma etapa da vida, e que o verdadeiro reino não é na terra.
No entanto, mesmo com a vitória dos ortodoxos no Concilio de Nicéia, e conseqüente exílio de Eusébio e Ario, os arianos continuaram ativos, e logo depois conseguiram persuadir o Imperador a chamar Eusébio de volta e lhe oferecer o posto de Bispo de Constantinopla. Ario, que depois de Eusébio também foi convidado a voltar, em um colóquio particular conseguiu convencer Constantino a respeito da sua ortodoxia, contribuindo, desta forma, para o fortalecimento de Eusébio. Mas veio a falecer algum ano depois. Todavia, colaborara para o momento de maior gloria de Eusébio, porque este, em 337, foi chamado pelo Imperador Constantino, já no leito de morte, para batizá-lo ariano.
Eusébio, agora desfrutando uma influente posição, vingando-se, conseguiu condenar ao exílio seu mortal inimigo, Atanásio, o bispo de Alexandria, talvez o único defensor do “homoúsios”, ou seja: A substancia do Pai gerou o Filho, portanto o Filho é igual ao Pai, como havia sido decidido em Nicéia.
No ano 340 o Papa Julio I – 337 a 352 - convocou um Concilio em Roma, do qual participaram 50 bispos, que reabilitou Atanásio por considerá-lo injustamente caluniado. Os bispos arianos, entretanto, que se recusaram a participar deste Concilio, organizaram outro em Antioquia, em 341, e, sob a coordenação de Eusébio, tentaram, sem muito sucesso, uma formula de compromisso que definisse a coexistência eterna do Cristo e do Pai, sem entrar no mérito do ponto de discórdia entre as partes: se possuíam ou não a mesma essência divina e a mesma vontade. No mesmo ano, logo depois desse Concilio, Eusébio também veio a falecer. A doutrina ortodoxa ensinada pelo cristianismo nos tempos de Ario pregava que o Deus Pai e o Deus Filho eram duas pessoas distintas, porém com uma única essência, enquanto que a principal preocupação de Ario era a de afirmar que era impossível a coexistência de dois Deuses sem escorregar no ”modalismo”, a doutrina que afirmava que as três pessoas da Trindade nada mais eram do que “modos de ser”, ou “modos de agir”, do Deus único, enquanto que o fulcro do arianismo era negar que o Filho e o Pai tivessem a mesma substancia.


Segundo ele, o Pai era eterno, a fonte, a razão primeira, enquanto o Filho, mesmo sendo o primogênito entre todas as criaturas, não lhe era similar, e, portanto, inferior ao Pai em natureza e dignidade, porque, mesmo se tinha sido gerado e criado pelo Pai, antes de todos os tempos, antes dele ser gerado, “houve um tempo em que o filho não existia”, como afirmava uma frase muita citada por Ario. Esta, como lentamente veremos desabrochar ao longo deste livro, é a grande e eterna verdade.
Este momento histórico do cristianismo ariano foi descrito por Girolamo - depois santificado - através de uma frase que ficou celebre: “o mundo, gemendo, surpreendeu-se ao se encontrar ariano”.
Depois da morte de Eusébio, o Imperador Constancio II - 337-361 - filho de Constantino, convocou vários sínodos, realizados ente os anos 357 a 359 em Sirmio, na Iugoslávia, com a finalidade de tentar mais uma vez por um fim às intermináveis disputas teológicas a respeito da natureza do Cristo. Entretanto, o tiro saiu pela culatra: as dissidências que eram duas, aumentaram para quatro:
1 Anomóios: Só o Pai era Deus, o Filho não lhe era similar (Doutrina de Aezio de Celesiria, Eunomio de Cisico e Ursocio de Nicomedia).
2 Homoúsios: Pai e Filho Idênticos na substancia (O credo de Nicéia defendido por Atanásio de Alexandria).
3 Homoioúsios: Pai e Filho similares na substancia (A crença de Basílio de Ancyra).
4 Hómoios: Filho similar a Deus. (A proposta de Acácio de Cesárea. Uma definição vaga porque fala de uma genérica similitude entre Pai e Filho sem entrar no mérito da relação no plano da substancia).
No inicio do ano de 357 os aezianos - Aezio de Celesiria - tiveram a melhor e vários discípulos de Aezio ocuparam posições de relevo. A reação da opinião publica, porém, foi tamanha que um ano depois o Imperador Constancio decidiu aderir à doutrina “homoioúsios” de Basílio de Ancyra e exilar Aezio de Celesiria e seus seguidores. Mas, depois do III sínodo de Sermio, no ano 359, Constancio mudou novamente de opinião e passou a preferir a versão de Acácio “Hómoios” e por isso convocou oficialmente os bispos ocidentais na cidade de Rimini e os orientais em Selucia para ratificar a formula acaciana.
Depois da morte de Constancio, acontecida em 361, a situação se alterou novamente quando Juliano o apostata assumiu o poder - 361-363. Proclamou uma anistia geral para todos os cristãos e desse modo abriu a porta para que Aezio retornasse a Antioquia. Este, depois de recuperar uma certa popularidade, faleceu em 367.
Poucos anos depois a corrente radical de Aezio viria a desaparecer a partir do esforço dos niceianos que, apoiados inicialmente pelo imperador Valentino I - 364-395, e depois por Teodosio - 379-395, restabeleceram a tese de Atanásio de Alexandria: A substancia do Pai gerou o Filho, portanto o Filho é igual ao Pai.
Havia outras discordâncias no seio do cristianismo, e cada uma dela resultava do desejo de querer acertar, com mais proximidades dos demais (este ajuizamento estava amarrado à cartilha de cada um), quais eram as expectativas de Deus em relação ao homem, depois do retorno do Filho ao Reino do céu.
O macedonianismo, ou pneumatomachia, fruto do pensamento de Macedônio de Constantinopla, estava inserido nesta conjunção. Macedônio era um Presbítero de fé ariana que fora elevado a bispo de Constantinopla pelo imperador Constancio, quando este ali esteve para restabelecer a ordem, depois que o comandante da guarnição real, ali sediada, fora morto durante os tumultos provocados pela facção ortodoxa daquela cidade quando, depois da morte do bispo Eusébio de Nicomedia, tentou substituí-lo com um candidato próprio. A partir daquele momento, Macedônio, agora bispo, imediatamente se posicionou a favor da tese “homoioúsios” de Basílio de Ancyra, defendendo-a como uma formula de compromisso entre os ortodoxos que legislavam “homoúsios”, e os arianos radicais que defendiam “anomóios”. Macedônio defendia a tese (alguns autores acreditam que ele mesmo a havia desenvolvido), que o espírito santo era uma criatura de Deus superior aos anjos mas abaixo do Pai e do Filho. Essa idéia foi combatida por Atanásio através de quatro cartas enviadas ao bispo Serapione de Thmuius e no sínodo de Alexandria de 362.
Com a morte de Atanásio em 373, a luta contra os pneumatomachos liderados por Eleusio de Cizico foi continuada por Didimo o cego, e por Basílio o Grande, que procuraram, sem sucesso, converter o macedoniano Eustácio, Bispo de Sebaste.
A condenação da pneumatomachia foi finalmente viabilizada no Concilio de Constantinopla em 381, mesmo assim, a tentativa de restabelecer a submissão do espírito santo ao Pai e ao Filho continuou por muito tempo. Consta que ainda no XI século, no II Concílio Lateranense realizado em 1139, este ponto de vista teve que ser novamente combatido para que triunfasse a idéia da Trindade.
Neste mesmo ano surgiu um novo conflito no seio da igreja cristã universal, e este explodiu no momento em que o Patriarca de Constantinopla passou a ser considerado o segundo na hierarquia religiosa, ou melhor, o primeiro depois de Roma, mesmo se o efetivo reconhecimento foi muito mais lento, porque até o fim do V século continuavam sendo reconhecidos oficialmente só os Concílios Ecumênicos até então realizados no Oriente e no Ocidente, ou seja, o de Nicéia, de Efeso e de Calcedônia, enquanto o que havia sido realizado em 381 só foi reconhecido depois que a igreja de Roma e a de Constantinopla acertaram seus desentendimentos.
A historia, no entanto, prova que as duas partes jamais se entenderam, porque em 1504 a igreja de Roma excomungou as igrejas do oriente e do ocidente.

( IV )GNOSTICÍSMO E CATOLICÍSMO

O arco temporal que cobre o período que se inicia nos anos que precederam o nascimento de Jesus, que passa pela sua morte e ressurreição, e se estende até o ano em que o imperador Constantino I transformou o império romano em uma monarquia de direito divino, foi fecundo em religiões cristãs. Em verdade, depois que a cruz do Gólgota iluminara o mundo, muitos foram os que tentaram interpretar, cada um a seu modo, o motivo da vinda de Cristo, a essência da sua mensagem e a sua natureza.
Entre estas religiões, lutando com suas oponentes, abria vagarosamente o caminho a doutrina dos apóstolos cujos seguidores, de origens judaica (Jesus, assim como seus pais, eram judeus descendentes da estirpe do rei David, assim como eram judeus seus discípulos), mesmo tendo se convertido ao cristianismo, por não desejarem abandonar suas velhas tradições, apresentavam exigências que, somadas aos sonhos do imperador Constantino - e depois de Teodosio, só foram completadas quando parte dos velhos livros da tradição judaica, rotulados velho testamento, foram inclusos nas escrituras sagradas.
Um exemplo desse comportamento foi oferecido pela igreja de Jerusalém. Tiago, seu fundador, a manteve judaica em sua orientação e, mesmo sendo irmão de Jesus, não considerava a sua natureza igual a Deus. Devido a este aspecto, a comunidade cristã de Jerusalém continuou leal ao Templo de Salomão e ao Torah até sua cidade ser destruída em 70 d.C. Alem disso Tiago e Pedro, este ultimo segundo a bíblia a maior expressão da liderança da comunidade cristã de Jerusalém, postaram-se contra á versão do cristianismo levada adiante por Paulo de Tarso. Esta divergência pode ser notada nas Epistolas de Paulo e nos Atos dos Apóstolos. Nestes testos encontram-se evidencias de que ambos repudiaram alguns ensinamentos de Paulo. Apesar destes aspectos, porem, o cristianismo cresceu e se desenvolveu, mesmo se na Roma daqueles tempos era uma seita proibida, e por assim ser, seus seguidores eram perseguidos, e se presos, castigados severamente. Era a epoca das catacumbas da Via Appia.
Os anos transcorreram, e quando em 306 o filho do tetrarca Constâncio Cloro, Constantino I, se tornou imperador, percebendo que o numero de cristãos, apesar de perseguidos e mortos (eram sacrificados nos espetáculos circenses que divertiam o povo, mas não abdicavam da sua fé), era sempre maior, se convenceu que a sua força em continuo crescimento poderia se converter em uma subversão. Roma, que havia experimentando o gosto amargo de muitas rebeliões dentro e fora de seu perímetro tinha que impedir a eclosão de outra fomentada por homens que, em nome de um deus desconhecido que chamavam Jesus, se tornavam cada vez mais fortes.
Contudo, havia problemas mais urgentes, e entre estes, o que era representado por Maxêncio, o filho do tetrarca Maximiliano. Enquanto ele havia sido nomeado “Augusto” pelas suas tropas estacionadas na Grã-Bretanha no dia 25 de julho, meses depois, no dia 28 de outubro, os pretorianos e a plebe de Roma nomearam Maxêncio imperador. Os dois haviam sido elevados ao poder ilegitimamente, mas, mesmo assim, ninguém queria abrir mão dele. Por este motivo, em 312, Maxêncio, que estava acampado com aproximadamente 188.000 soldados na região que havia sido barbarizada por Galério, decidiu retornar à Roma para depô-lo. A vitória, como vimos, sorriu para Constantino que o derrotou na batalha da ponte Milvio, em Roma.
Eliminado Galério, Constantino voltou a se preocupar com os problemas do império, e entre eles, o que era representado pelos cristãos. Logo se deu conta que ao invés de continuar proibindo seus cultos, era preferível permiti-los. Não gratuitamente porem, ou correndo o risco que essa decisão viesse a ser interpretada como um sinal de fraqueza, mas mediante um processo que resultasse em um fortalecimento político. A estratégia logo foi articulada, e com ela, as medidas que deveriam influenciar, no médio prazo, um único cenário religioso. Conseqüências: entre muitas outras datas, no dia 25 de dezembro, a data em que no culto a Ísis e Osíris (a religião egípcia que invadira Roma desde 200 a.C da qual o proprio Constantino era o sumo-sacerdote), se comemorava o nascimento do filho Horus, passou-se a celebrar, no cristianismo, o nascimento de Jesus Cristo.
Muito antes do advento do Nazareno, como vimos, por ter havido adesão maciça ao credo Egípcio, especialmente pelas classes menos favorecidas, em Roma foram erguidos inúmeros templos a Isis e Osíris. Entretanto, o maciço movimento de adesão a esta crença, visto com suspeita pelas autoridades porque viam nele potencialidade subversivas, como aconteceu posteriormente com os cristãos, levou o Senado a ordenar a perseguição aos seguidores de Ísis e a destruição de todos os seus templos. Contudo, apesar de estarem cientes das possíveis conseqüências, ninguém teve a coragem de obedecer às ordens recebidas. Tempos depois, como também vimos, o culto foi oficialmente proibido por Júlio Cezar.
Entretanto, no ano 43 a.C., o triunvirato, inesperadamente, ordenou a construção de outro templo a Ísis e Serápis (a versão de Osíris dos gregos), e tal ordem, aparentemente, era o reflexo do relacionamento entre Marco Antonio e Cleópatra, visto que comumente ela era retratada como a própria Ísis com o marido Osíris.
Posteriormente, agora a mando do imperador Tibério, a perseguição aos seguidores de Ísis foi novamente implementada: seus sacerdotes foram crucificados e mais de 4.000 fieis foram exilados.
A fé, no entanto, mesmo mantida oculta, sobreviveu, e o culto à Ísis, no primeiro século da era cristã, havia se difundido também entre as classes mais altas incluindo alguns imperadores: Calígula, mesmo se não pode ser acolhido como um bom exemplo, por razões políticas, claro, não somente liberou o culto, mas promoveu a construção de novos templos e instituiu o festival de Ísis.
Mas porque tanta devoção a Isis? Se lembrarmos o que foi lido no titulo “Os Egípcios”, nos daremos conta que a veneração à Ísis, especialmente nas classes humildes, era devida à sua promessa de salvação e redenção, além da benção da vida eterna após a morte, desde que merecida, de conformidade com o Evangelho de Osíris. O culto a Isis, foi a religião que mais se fortaleceu entre as demais pagãs, porque oferecia a vida eterna... até que encontrou no cristianismo o seu grande rival.
As duas religiões, então, se transformaram em um terreno muito fértil para discussões, brigas e matanças, porque substancialmente ofereciam as mesmas coisas: confissão, batismo e vida eterna. A Egípcia através de uma deusa de certa forma abstrata, e a Judaico-cristã por um homem que havia vivido entre os homens e que depois de morrer, segundo era dito, havia ressuscitado.
Agora está claro porque o imperador Constantino, ao invés de continuar combatendo os cristãos, decidiu tê-los como aliados. Contudo, para ir adiante em seus planos, o imperador necessitava fortalecê-los muito mais do que já eram.
Em Roma, até então, mesmo se os cristãos se deixavam matar em nome do Nazareno, nada, alem da sua fé, podia ser comprovado, porque enquanto alguns afirmavam que era o filho de um deus, outros diziam que era um homem como todos os demais homens. Sendo assim, Jesus poderia ser somente mais uma lenda entre as muitas que já existiam. Apesar disso, como alguém que havia sido crucificado, ao invés de ser esquecido, passara a ser venerado por um numero de cristãos que não parava de crescer?
Dizia-se que era o Messias, aquele que os hebreus esperavam para liderar seu povo como outrora havia feito Jhwh, o Senhor dos Exércitos, que guiara Josué á gloria por vencer todas as batalhas contra as muitas tribos que habitavam Canaã. No entanto, haviam sido os próprios judeus a pedir a Poncio Pilatos que fosse justiçado! Se o procurador romano os havia atendido martirizando-o com a crucificação (um suplicio reservado aos seres mais repulsivos), e ele havia morrido, então realmente era um homem como qualquer outro. Deste modo, se por um lado seus discípulos afirmavam que era o filho de Deus, do outro, os hebreus, o único povo que acreditava nesse Deus, lhe haviam negado a paternidade que ele afirmava ter. Não, não era prudente apostar todas as fichas nele!
Constantino, então, sabiamente concluiu que antes de utilizá-lo para os seus fins, Jesus devia ser divinizado, reconhecido oficialmente como Filho de Deus pelo império romano, que era a maior potencia do mundo.
Nesta epoca, havia dezenas de credos, doutrinas e religiões: Bramanismo, Budismo, Cabala, Orfismo etc., e na linha do cristianismo floresciam importantes filosofias religiosas chamadas gnósticas, cujos adeptos acreditavam que possuíam um conhecimento de Deus muito mais real daqueles que lideravam o catolicismo nascente. Como gnósticos, haviam sido designados os grupos filosófico-religiosos que alcançaram seu apogeu entre o II e III século nos maiores centros culturais do mundo, e entre estes, os que mais se destacavam eram os de Marcione, Valentino, Basilide, Simon Mago, Mani e Ario.
Até ser encontrada em 1945 em Nag Hammadi, no alto Egito, uma quase inteira biblioteca gnóstica, os estudiosos do gnosticismo não dispunham de nenhum documento original para estudá-lo, e a razão disso era obvia: haviam sido destruídos depois do Concilio de Nicéia. Desse modo, as únicas informações para o estudo destas doutrinas, limitavam-se as que eram citadas nos documentos escritos por aqueles autores cristãos que tinham assumido a defesa da ortodoxia cristã, como Ireneu, o Bispo de Lion e muitos outros.
Estes, em seus escritos afirmavam que o cristianismo estava sendo atacado por “movimentos” que se colocavam declaradamente em posição alternativa ao catolicismo, utilizando textos falsos como os Evangelhos apócrifos, que não eram - como até hoje não são - reconhecidos pela igreja. Todavia, segundo os historiadores religiosos, os Evangelhos apócrifos, aproximadamente oitenta, provam sobejamente que se aproximam muito mais, em suas descrições da realidade vivida pelo “homem Jesus”, enquanto vivo, daqueles que segundo a tradição católica foram escritos por Lucas, Mateus, Marcos e João.
Nas sagradas escrituras, diz a teologia católica, existe um dualismo suave: matéria e espírito, corpo e alma, o bem e o mal, o Deus Criador de um lado e o homem e o universo do outro, mas os dois fazendo parte de um projeto divino: o homem é feito a imagem e semelhança de Deus e a criação contem a marca do Criador.
Para o gnosticismo, criticavam os pais da igreja, existe uma diferencia radical entre Deus e a realidade material: O Espírito é substancialmente estranho uma vez que seu relacionamento com o mundo material não contribui de nenhuma forma para a elevação espiritual do homem. Nos textos elaborados para defender o cristianismo, afirmava-se que para os gnósticos a relação entre o Ser Supremo e a natureza correspondia à que existe entre o espírito e a matéria, ou a alma e o corpo. Para eles, o espírito, corresponde a uma pequena parcela divina com vocação para se reunir ao Ser Supremo, portanto eterna, enquanto o corpo é um cárcere – para manter a alma prisioneira - destinado a se transformar em pó. Os gnósticos inserem esta teoria em um cenário astrológico totalmente “pagão”: para se reunir ao corpo, o espírito deve chegar a terra, atravessando um depois do outro os planetas, e nesta queda, no mundo sublunar, o espírito, antes de entrar no corpo material, recebe uma espécie de invólucro, chamado corpo astral, que se transforma em cada uma das esferas planetárias pelas quais estagia.
Mesmo se a relevância do gnosticismo declinou a partir do IV século, ele sobreviveu nos sucessivos, assumiu novas formas e alcançou, em alguns momentos, dimensões inusitadas como a dos cátaros, a das ciências pagãs como a alquimia e a astrologia, e a publicação, em 1.463, do “Corpus Hermeticum”, uma serie de escritos sapienciais atribuídos a Hermete Trimegisto, encontrados, como se afirma, em uma sepultura.
Foi no decorrer destes séculos que a Bíblia, seja ao nível dos velhos livros hebraicos - o velho testamento - bem como no conteúdo do novo testamento, é submetida a sucessivas reformulações para “purificá-la” dos testos indesejáveis, e incluir os apropriados para “encaixar”, da melhor forma possível, não só o novo ao velho testamento, mas também as dogmatizações adequadas para que a igreja católica apostólica romana pudesse seguir o caminho que desejava percorrer sem maiores inconvenientes.
Estas “acomodações”, que incluem preconceituosamente, entre outras, a tradução da palavra “mulher jovem, moça”, utilizada no texto original aramaico, para “virgem”, inicialmente na língua grega e depois para o latim, fizeram parte de um planejamento estratégico considerado imperativo não só para permitir a manutenção de um relacionamento aceitável entre as hierarquias religiosas (uma vez que entre elas também havia gigantescas discordâncias), mas para aprimorar seu posicionamento em relação ás demais doutrinas cristãs existentes, algumas das quais, naquele momento, muito mais poderosas.

Marcione, que antes do II século havia escrito “Omodeo” - publicado pela primeira vez em 1940 - procurava reformar a crença, as escrituras e o teor de vida da igreja de acordo com seus pontos de vista, e desta forma, indiretamente, contribuiu para a formação do cristianismo.
Diante desta tentativa e a sucessiva formação da igreja marcionita, o cristianismo, que depois se autodenominou igreja católica apostólica romana, foi coagido a rever sua própria doutrina, a melhorá-la, a definir o cânone de suas próprias escrituras, a enfrentar o problema de conservar ou não entre elas os textos do velho testamento, e a voltar a definir seu próprio posicionamento diante da pretensão de alguns de impor o asceticismo (conjunto de praticas de abstinência com fins espirituais ou religiosos. Em outras palavras, impor uma vida austera e a continência absoluta como norma de vida de todos os cristãos), a proibição do prazer carnal e a total moderação das palavras e dos gestos.
A “crise” provocada pelo marcionismo, provocou graves preocupações nas hierarquias mais elevadas do clero, e se transformou no forte empurrão que precipitou a igreja católica na revisão do conteúdo da sua fé: os cânones dos livros sagrados, a disciplina interna da comunidade e a definir as noções do Deus cristão com a conservação parcial das escrituras do velho testamento e das concepções bíblicas. Desta forma, estava sendo preparada a base sobre a qual, tempo depois, se desenvolveria inicialmente a obra de Clemente de Alexandria - mestre de Orígenes, e depois do próprio Orígenes de Alexandria.
Harnack foi um dos que reconheceram a importância de Marcione, porque em Lipsia, entre os anos 1922 a 1924, dedicou a ele um estudo especifico jamais traduzido para outras línguas: “Marcion: das Evangelium frendem Gotte“, em português “Marcione: o Evangelho do Deus estrangeiro”, comparando-o a Lutero em certos aspectos como a reivindicação da livre interpretação das sagradas escrituras.
Outros, porem, lhe impuseram limitações, como Alfred Loisy, Teólogo francês que acabou sendo excomungado pelo seu trabalho criticando a bíblia, op.cit, pp.433ss - reconhecendo, no entanto, que se Marcione não chegou a ser um grande “expert”, seu objetivo era reformar, melhor dizendo, reinstituir o cristianismo que, segundo ele, tinha se desviado de suas origens -pp.433-34.
Os heresiólogos cristãos ortodoxos como Tertuliano, cujo nome era Quinto Septimio Florente, e Justino, o primeiro apologista cristão de Cartago e autor de uma Apologética - parte da teologia que tem como objetivo a defesa da religião cristã contra o ataque e objeções de seus adversários - lançaram-se em uma polemica contra os cristãos displicentes. O primeiro, em “Adversus Marciones” e o segundo, na sua “Apologia”, perseguiram Marcione com a finalidade de eliminá-lo do universo religioso. O rotulavam adepto do demônio e diziam que, com a colaboração deste, induzia os que os seguiam a blasfema e a heresia, não só porque afirmava que existiam dois deuses, mas porque repudiava o deus único hebraico, taxando-o mau e vingativo, e assim sendo, o enquadrava como Demiurgo (nome do deus criador na filosofia Platônica), em favor do Deus justo e bondoso de transcendência espiritual absoluta. Afirmavam que Marcione era um herege porque dizia que Jesus Cristo não era filho do deus guerreiro e injusto hebraico, que aniquilava os habitantes de Canaã para dar suas terras aos descendentes de Abrão, mas do puro e impessoal Deus de suprema bondade que era evocado por Jesus, sendo que este, segundo Marcione, só assumiu as características humanas para salvar o homem, mas que tinha morrido e ressuscitado sem em verdade jamais ter possuído um corpo físico.
Marcione, no seu espiritualismo gnósticos radical - diz Loisy - e no espírito do cristianismo primitivo voltado ao martirismo, prescrevia severamente jejuns, abstinências e castidade, descriminando até o matrimonio porque afirmava que “o cresceis e multiplica-vos” era um convite do pérfido Demiurgo. Chegando a negar o batismo para aqueles que não praticavam este rigoroso padrão ascético, aparentemente difundido entre os primeiros cristãos enquanto ainda não existia uma hierarquia eclesiástica. Nesta fase, Marcione teve a pretensão – segundo os críticos - mesmo sendo contestável, de querer que suas idéias fossem adotadas como cânones (decretos e regras concernentes à fé e a disciplina religiosa), por todas as comunidades religiosas nascentes.
Recusava o antigo testamento como faziam os demais gnósticos, e escolhia com exclusividade o Evangelho de Lucas e as cartas atribuídas a Paulo, que deliberadamente alterava afirmando que eram as únicas escrituras catequéticas cristãs (Omodeo, pp.416ss, 425ss), talvez, segundo Loisy, porque já eram utilizadas na comunidade romana.
Marcione acabou sendo excomungado e expulso por heresia, e alem disso, sempre segundo Tertuliano, pela incompatibilidade radical com as tradições judaicas, prevalentes e praticamente irremovíveis da longa história cristã. Marcione então fundou uma outra igreja, expressamente em oposição e com sólida organização, que chamou “a verdadeira igreja de Cristo”. Esta igreja teve muitos fieis e por algum tempo um incontestável sucesso.
Adorno, filosofo e musicólogo alemão (1903-1969), relata que por volta da segunda metade do II século, Justino escreveu na sua Apologia que o Evangelho de Marcione se estendia sobre toda a humanidade, e Tertuliano confirmou isso ao escrever que a tradição herética de Marcione havia preenchido o universo. De fato, no ano 400, ainda se encontravam fieis da igreja de Marcione em Roma, no Egito, na Palestina, na Arábia, na Síria e em Chipre (filosofia antiga, II, p.455).
K. Deschner, com o sub-titulo “Marcione, o primeiro fundador de uma igreja” registra entre outras coisas o extraordinário sucesso de Marcione, afirmando: o Marcionismo foi uma grande igreja que se estendia do Rio Eufrates até o Reno, abraçando o inteiro império romano. Uma instituição que possuía, refletindo as organizações religiosas antigas, uma hierarquização maior do que o próprio Catolicismo. Mas não foi a igreja de Marcione a copiar a estrutura da católica, uma vez que essa só começou a se estruturar no fim do II século para se consolidar no III após o concilio de Nicéia. Antes dela, “a verdadeira igreja de Cristo”, a igreja de Marcione, já possuía um novo testamento, bispos e monges.
Ireneu, bispo de Lyon (Ásia menor 130-208), que combateu os gnósticos através da sua obra “Adversus haereses” III, 3-4, diz a Policarpo, bispo de Smirne, a quem Marcione pedira para reconhecer seu Evangelho, que Marcione era o “primogênito de Satanás”. E demonstrando sua intransigência e grosseira fé apostólica afirmava: “quem quer que seja que não admita que Jesus Cristo veio na carne é um anticristo. Seja quem for que não confesse o testemunho da cruz procede do diabo e quem perverte as palavras do Senhor de acordo com seus interesses, e além disso diga que não houve a ressurreição do corpo de Jesus, nem juízo final, este é o enviado do anticristo”.

Valentino, outro famoso teólogo gnósticos do segundo século, fundador da religião dos “valentinianos” e grande adversário da nascente igreja cristã, nasceu em Cartago e se transferiu ainda jovem para Alexandria do Egito. Nesta cidade estudou com o mestre Teodas aquele que afirmava que por ter sido discípulo dos apóstolos, aprendera com eles o que o Cristo efetivamente ensinara.
Em Alexandria, Valentino começou a ensinar, mas logo depois foi à Roma para ser diácono. Exercendo esta função, devido a sua popularidade, chegou a ser indicado para ser Bispo nesta cidade, contudo, por ter sido preterido, sempre segundo Tertuliano, desiludido, abraçou o gnosticismo com tanta vitalidade que acabou sendo excomungado pelo Papa Pio I no ano 143. Seus últimos anos foram transcorridos em Chipre, onde segundo alguns morreu no ano 165 e por outros em 180.
Sua doutrina, uma complexa fusão sincrética entre o neoplatonismo e a religião judaica, iniciava com um “Eone” masculino – abismo - e um “Eone” feminino – silencio - de cuja união haviam nascido o intelecto e a verdade, e em seqüência, em cascata, toda uma serie de Eones que se subdividiam em oito Ogdoade, nascidos da fusão de dois Tétrades, quatro Eones, depois dez decades e finalmente doze dodecades, que, todos juntos, formavam o “Pleroma”: a plenitude. Segundo ele o mundo visível e os homens haviam sido criados pelo hostil demiurgo “Achamoth”, rei do mundo psíquico celeste - o chamado sétimo céu de Ebdomade. Achamoth, por sua vez, tinha sido gerado pelo Eone Sophia a ultima das Dodecades que havia sido expulsa do Pleroma.
Os homens dividiam-se em:
1 Ilici, ou terrenos.
2 Psíquicos, que acreditavam no Demiurgo mas ignoravam a existência do mundo espiritual a ele superior.
3 Pneumáticos ou espirituais, os que eram dotados, sem o saber, com a luz divina, pnéuma.
Para trazer aos pneumáticos o conhecimento - gnose - da potencialidade que eles desconheciam, foi enviado á Terra o Eone Cristo que encarnou no homem Jesus no momento em que foi batizado, afastando-se, depois, quando da sua crucificação. Sendo assim, por ter surgido ou aparentemente passado a existir, os homens acreditaram que ele foi crucificado quando em verdade nada disso aconteceu porque foi só uma ilusão.
Este conceito, comum entre os gnósticos, foi denominado “docetismo”, do grego ”dokéin”, que significa aparecer.
Os Psíquicos, entretanto, através da fé e das boas obras, poderiam almejar no máximo ao reino psíquico celeste do Demiurgo, enquanto, infelizmente para os Ilici, para estes não havia esperança de salvação.
São atribuídos a Valentino alguns dos textos encontrados em Nag Hammadi em 1945/6, como o Evangelho da verdade, o Evangelho de Felipe, a carta a Regino e o conhecido “Tractatus tripartitus” - tratado a respeito das três naturezas: espiritual, terrena e psíquica.

Basilide, originário de Alexandria, no Egito, foi um dos maiores expoentes do gnosticismo. Sabe-se pouco a seu respeito à não ser que teve um filho, Isidoro, seu discípulo, que estudou com Glauco, porque este proclamava que havia sido discípulo de Pedro, o apostolo, e de ter aprendido deste os ensinamentos secretos de Cristo.
Basilide afirmava que a mente – nous, havia nascido de um primordial “não-ser” ou um “ser sem nome” chamado Abrasax. Que da Mente havia nascido à razão - Logus - e desta a prudência - Phronesis, mãe da Sabiedade – Sophia, e da Força –Dinamys. Finalmente, da Prudência e da Força haviam nascido os arcanjos. Estes, multiplicando-se, formaram os 365 céus, cada um correspondendo a uma ordem Angélica.
O ultimo dos céus era povoado pelos anjos criadores do mundo material e protetores das principais nações, e o mais poderoso destes, Jhwh, havia se tornado o deus dos judeus.
Para salvar a situação o Pai “o não ser ou o ser sem nome” enviou para a terra seu primogênito Nous, aquele que veio a ser conhecido pela humanidade como Cristo. Este, porem, não morreu na cruz, porque quem foi crucificado no madeiro foi Simão da Cireneia aparentando ser Jesus. O cristo, por sua vez, travestido de Simão, retornou ao Pai.
Segundo Basilide a salvação era um problema da alma. Ela, sim, podia encontrar a paz através da oração, mas enquanto isso, o corpo, podia satisfazer livremente todos seus desejos sensuais. Por esta afirmação, Basilide e seus seguidores foram acusados de imoralidade.
O Basiliderismo sobreviveu até ao fim do IV século, mas a sua doutrina foi gradualmente incorporada aos ambientes gnósticos pela formula de Valentino. Escreveu uma exegética composta de 24 volumes a respeito dos Evangelhos, e um Evangelho segundo Basilide. Mas suas obras foram queimadas pelos católicos e os conhecimentos que se tem dele resumem-se aos que são expostos nos textos escritos pelos pais da igreja.

Simon Mago, a personagem citada nos Atos dos Apóstolos 8:9-25, nasceu na cidade de Gitta, perto de Samária, e por este motivo era também chamado Simão o Samaritano. Por volta do ano 20 d.C., Simon, na sua cidade natal, exercia a profissão de mágico (era médium), e como tal praticava coisas que, como ninguém entendia, eram chamadas artes ocultas.
Consta que quando ouvia as palestras de Felipe, Diácono cristão desta cidade, se extasiava e por esta razão veio a lhe pedir que o batizasse, solicitação que foi logo atendida. Algum tempo depois, vendo que o apostolo Pedro curava impondo as mãos (doação do espírito santo segundo os cristãos), lhe ofereceu dinheiro para adquirir este conhecimento, mas o que conseguiu foi a ira do apostolo.
Desta primeira tentativa de comercializar “o sagrado” nasceu o termo “simonia”, que significa trafico de coisas sagradas ou venda de bens espirituais, termo que viria a ter um peso relevante na diatribe entre os católicos e Lutero no XIV século.
Outros testemunhos dão conta, como o Evangelho apócrifo “Atos de São Pedro”, que Simon Mago também foi para Roma onde, como fizeram os apóstolos Pedro e Paulo, entre outras atividades que exercia também curava apondo as mãos.
Em Roma, aparentemente, chegou a se tornar mais popular do que o próprio Paulo, porque enquanto este pregava o cristianismo, Simon trabalhava como um mágico. Diz-se, inclusive, que contava com um maior numero de seguidores do que Paulo. No entanto, depois de conseguir fama e gloria, um insucesso durante uma de suas demonstrações lhe causou a morte. Existem duas versões a respeito.

A primeira diz que Simon não conseguiu superar a prova de permanecer sepultado vivo durante tres dias, e quando sepulcro foi aberto, estava morto (Alguns médiuns conseguem provocar em si mesmos os sintomas da catalepsia até o estagio em que o corpo começa a apodrecer, comandando mentalmente, depois disso, a regressão do quadro cataléptico até a plena recuperação).
Na segunda Simon teria morrido em conseqüência de uma queda de grande altura no decorrer de uma demonstração de levitação diante de Nero, o imperador romano. Os traumas sofridos, por se ter chocado violentamente com o solo, teriam causado a sua morte (São conhecidos médiuns de efeitos físicos que com ajuda espiritual levitam com facilidade).
A doutrina que Simon Mago pregava era de tipo gnóstico. Ele se dizia uma emanação divina, e como tal, podia se manifestar como filho e espírito santo. Simon, que ensinava seus discípulos a vê-lo como deus, fundou uma seita e proclamou a sua deidade, afirmando que sua missão era salvar o mundo dos maus anjos, e entre eles, o deus do antigo testamento.

O maniqueísmo, tem sua origem no nome do seu fundador, Mani (216-276 d.C.), um persa nascido no norte da Babilônia que, através da religião que fundou, cultivava pretensões universais. Acreditava que era a revelação definitiva, e por isso agia com o ímpeto que julgava apropriado para suplantar as demais crenças que já existiam. Com este objetivo, Mani formulou suas idéias no plano que julgou apropriado para integrar e amalgamar entre eles, e da forma mais coerente possível, elementos da doutrina persa, budista e cristã. A minha idéia, dizia ele, em si mesma abre um espaço vastíssimo para as sensibilidades religiosas que existem, e que já são muito difundidas.
A característica central do maniqueísmo era o forte dualismo que constituía a estrutura do inteiro pensamento. Por um lado, se mantinha fiel às características gnósticas e do outro, constituía um fenômeno em si mesmo por ser uma religião universal com um fundador e com os testos que chamava “as sagradas escrituras”. Nele, com mais firmeza do que os demais movimentos gnósticos, afirmava a existência de uma nítida oposição entre o principio da “luz” – tudo o que é verdadeiramente bom, e assim sendo Divino, e o das “trevas” – tudo o que é verdadeiramente mau, como guerras, matanças etc. Deste modo, a sua doutrina se opunha frontalmente ao velho testamento.
Mani, que era o fruto de uma seita de judeus cristianizados, havia se fortemente impressionado com a leitura do apocalipse de João – Novo Testamento. Assim, ao receber o que chamou de “revelação”, se proclamou apostolo de Jesus e começou a percorrer o mundo. Por mais de trinta anos percorreu a Mesopotâmia, a Pérsia e a Índia, ao longo dos quais, alem de divulgar sua doutrina, curava enfermidade e libertava as pessoas dos espíritos malignos.
A difusão do maniqueísmo se deu também por obra dos missionários zelotas, porque estes distenderam a suas influencia não só na Síria e na Palestina, mas até na África e Europa, aonde a sua intensa atividade doutrinaria chegou a representar um perigo efetivo para o cristianismo.
A organização interna do maniqueísmo obedecia a uma estrutura hierárquica coordenada por um organograma muito bem articulado. Destacava-se uma elite - que eram os “eleitos”, e uma massa de fieis - os “ouvintes”, que diariamente ofereciam aos primeiros as ofertas que julgavam que eles mereciam. Os eleitos, ascetas e vegetarianos, ocupavam todos os cargos de comando incluindo a execução dos rituais sagrados.
A passagem da condição de “ouvinte” para a de “eleito” não exigia somente uma radical mudança no comportamento e nas atitudes pessoais, mas necessitava da plena concordância de todo o poder decisório.
Os seguidores de Mani, organizados em pequenos grupos, eram muito ativos, e assim sendo, eficientíssimos na propagação da sua religião ao redor do mundo. Por volta do VI século o Maniqueísmo registrou um certo declínio, principalmente no ocidente, e depois do século VII o movimento “pauliciano” que se desenvolveu na Armênia, mesmo se rejeitou o maniqueísmo, em certos aspectos foi por ele influenciado.


Ao redor do X século o Maniqueísmo alcançou a Bulgária e contribuiu para o desenvolvimento dos bogomilos que floresceram nos Bálcãs nos séculos XI e XII, e dos Cataros, ou Albigenses, que como veremos se difundiram nos séculos XII e XIII na França meridional e na Itália.
Na visão cósmica de Mani, existiam alguns elementos orientadores que nos detalhes se tornavam complexos. Para ele, havia sempre dois princípios independentes e contrapostos: o bem e o mal, a luz e as trevas e Deus e a matéria. Em um primeiro período estes elementos eram rigorosamente contrapostos, na segunda fase misturaram-se e na final deviam novamente se separar.
O universo, para Mani, havia sido criado para libertar a luz e punir ou aprisionar os seguidores das trevas. O contraste entre o reino do espírito - o bem, e o da matéria - o mal, era radical. Existe, dizia ele, um Deus bom, que é imaginado como um “estranho” neste mundo, e um outro mau, o Demiurgo, o demônio que criou e domina este mundo.
O mundo, segundo Mani, era constituído por elementos bons e elementos maus, e devido a este aspecto, a salvação só era possível fugindo-se do reino da matéria. Entretanto, para que isso fosse possível, era necessário possuir um perfeito conhecimento de si mesmo, para depois comandar uma ação intima com o objetivo de recuperar o verdadeiro “eu espiritual” perdido na fusão do espírito com a matéria.
Fortemente influenciado pelo platonismo, o maniqueísmo sustentava que era necessária uma permanente guerra entre o bem e o mal, porque só assim a alma humana conseguiria despertar para o conhecimento que lhe devolveria a consciência de sua origem divina. Mani afirmava que a alma do homem era uma substancia divina, em outras palavras, uma parte do próprio Deus na Terra. Por isso é a alma do homem que deve ser salva, dizia, mas o elemento que pode permitir isso é a inteligência do espírito. Deus, segundo ele, salvar-se-ia a si mesmo através do homem, e o homem salvaria a si mesmo através da substancia divina que nele habita.

O gnosticismo, considerado um movimento filosófico-religioso espontâneo e não unificado, começou a se difundir no Egito e na Palestina no tempo dos apóstolos, e se alongou até o fim do IV século. Suas origens permanecem obscuras, mas acredita-se que provavelmente nasceu como um movimento sincrético para fundir em si mesmo religiões místicas como a astrologia, magia persiana, zoroastrismo, hermetismo, kabbalah, filosofias helenísticas e judaísmo, até chegar a um sincretismo com o cristianismo dos primeiros séculos. No entanto, mesmo se é tido como um movimento finito, esta não é a verdade, porque em partes distintas continua se manifestando até os dias atuais através de inúmeros credos, mesmo se são portadores de nomes diferentes. A sua síntese, hoje muito mais aperfeiçoada, é refletida pelo Kardecismo.
É esta doutrina gnostica-cristã que homens como Ireneu, Justino, Tertuliano e outros, os chamados pais da igreja, combatiam, que permaneceu por séculos em semi-escuridão porque não havia nenhuma documentação para “iluminá-la”. A luz só veio no fim de 1945 através dos manuscritos em copto que foram descobertos em Nag Hammadi, no Egito. Um grupo de 44 obras que a igreja católica apostólica romana se preocupou imediatamente de chamar apócrifas.
O gnosticismo, no seu período de máximo desenvolvimento - ao redor do II século - distinguiu-se por duas linhas básicas:
1 O gnosticismo chamado vulgar, por ser do tipo mágico e astrológico, que teve como seus lideres Cerinto, Carpocrate, Simon Mago e Menandro.
2 O gnosticismo chamado douto, com suas grandes escolas de pensamento, que teve como lideres Basilide, Valentino, Marcione, Mani e Ario.
Por volta do IV século, o gnosticismo fluiu para a sua forma mais avançada, o Maniqueísmo, e este mais tarde se refletiu nos bogomilos - os que vieram a ser chamados os heréticos búlgaros do século XII, e os cataros - que se propagaram desde o século XII pelo sul da França, no Languedoc, contra os quais o Papa Inocêncio III, em 1209, ordenou uma cruzada para exterminá-los
Estes, como veremos, inspirados no Maniqueísmo, pregavam a austeridade e proibiam o casamento, e suas comunidades eram dirigidas pelos “puros” ou cataros, enquanto a massa era chamada “Albigense” os ouvintes.
Mais recentemente o gnosticismo influenciou muitos estudiosos cristãos como Pierre Teilhard de Chardin, Paul Tillich, Mary Baker “cristian Science” e outros não cristãos como o psicanalista Carl Jung que declarou: a gnose é seguramente o conhecimento psicológico cujo conteúdo emana do inconsciente.
Outros estudiosos identificam muitos elementos gnósticos no chamado fenômeno social-filosofico atualmente em moda chamado “New Age”.
O gnosticismo deve seu nome a “gnose”, a ciência ensinada pelos mestres gnósticos que levava ao conhecimento de Deus, da origem, e do destino da humanidade através da “revelação divina”. Esta revelação era transmitida diretamente por Jesus Cristo na forma gnostica-cristã para um restrito e selecionado grupo de apóstolos, mesmo porque, jamais alguém chegou à “revelação” só estudando, uma vez que esta exige que o indivíduo, de coração, abra mão de si mesmo em favor do seu próximo e com Ele se torne uno.
Além de lutar contra o gnosticismo, que foi alvo do seu ódio, a igreja católica naquele período teve que começar a enfrentar lutas internas que eram provocadas quando alguns dos seus bispos, por seguirem teologias diferentes, depois de serem culpados de heresias foram excomungados. A heresia ariana é um exemplo.
Ario, o mais famoso herege do IV século, chamou sua doutrina arianismo e esta se tornou uma grande alternativa do credo católico no mundo cristão daquela epoca, sem, contudo, conseguir contribuir muito para desenvolver seu pensamento.
Ario nasceu na Líbia em meados do III século d.C. e, mesmo se não existem informações a respeito da primeira parte da sua vida, tem se como certo que estudou na escola de Luciano de Antioquia, sacerdote e mártir, onde conheceu Asterio de Cappadocia e Eusébio de Nicomedia.
No ano 306, Ario, apoiou Melezio de Licopolis, fundador da igreja dos mártires confessores da qual fez parte, contra Pedro, o bispo de Alexandria, com o qual, porém, se reconciliou em seguida, e por ele foi nomeado Diácono cinco anos depois.
Dois anos mais tarde foi nomeado Presbítero por Achilleu, sucessor de Pedro, assumindo, por meio desta nomeação, a responsabilidade de uma igreja no bairro de Baucalis na cidade de Alexandria.
Depois de se empenhar a fundo no combate ao gnosticismo, além do Modalismo e Sabellianismo, em 319 entrou em rota de colisão com seu novo bispo, Alessandro, acusando-o de ensinar que o Filho, Jesus, era igual ao Pai, Deus, enquanto ele já predicava os princípios do arianismo: o filho não era igual ao pai, porque esta passara a ser sua crença.
Alessandro, em 321, convocou um sínodo no qual participaram cerca de cem bispos egípcios e libios, e neste encontro fez excomungar Ario. Este, para se proteger, fugiu inicialmente para a Palestina, mas logo depois foi se encontrar com Eusébio de Nicomedia, seu amigo, que o recebeu de braços abertos. Em seguida, foi a vez de Eusébio criar na própria diocese um centro de referencia do arianismo, e se transformar em um promotor tão aguerrido desta doutrina a ponto de levá-lo a enfrentar disputas teológicas.
Ario, de sua parte, começou a compor, como bom comunicador que era, canções e slogans para propagar suas idéias, atingindo, assim, os habitantes locais, os viajantes que por ali passavam e os marinheiros que chegavam de outras localidades. Neste tempo, a doutrina ariana foi fortalecida por vários sínodos realizados localmente, e por outros que se realizaram na Palestina e em Bitinia. Contudo, devido à ascendência de Eusébio de Nicomedia sobre o Imperador Constantino I, aquele que havia legalizado o cristianismo no ano 313, foi deste que obteve o maior apoio.

( III ) QUEDA DO IMPÉRIO DO OCIDENTE

Morto Teodosio, único imperador desde a morte de Graziano, foi sucedido pelos filhos Arcádio, no oriente, e Onorio no ocidente, mas, por serem ainda jovens, foram colocados sob os cuidados do general de origens vândalas - Stilicone. Os gothas, até aqueles momentos mantidos calmos com concessões de terras e dinheiro, passaram a serem cada vez mais exigentes até que decidiram invadir a Itália guiados por Alarico. Enfrentados por Stilicone, este, não obstante os ter vencido, com eles pactuou a paz. Outros bárbaros, entretanto, pressionavam na Gália e na Espanha, eram os Suevos, Alamanos e Vândalos.
A classe dirigente, agora sediada na cidade de Ravenna, depois de decretar a morte de Stilicone procurou enfrentar os invasores. Entretanto, Alarico no ano 410 saqueou Roma e seu sucessor, Ataulfo, casou com a irmã de Onorio e fundou na Gália o primeiro reino bárbaro.
Simultaneamente, os Vândalos de Genserico (o que viria a se tornar o primeiro rei Vândalo da África), conquistaram Cartago e tomaram posse da província romana da África. Adepto do Arianismo, uma das tantas religiões cristã que existiam, perseguiu os cristãos tradicionais.
Em 430, conseqüentemente vinte anos depois, o Império do ocidente resumia-se na Itália, partes da Gália, e por poucas terras nos Bálcãs.
O despertar do V século viu os Hunos (um povo asiático guiado pelo feroz Átila), irromper na Europa e saquear muitas cidades orientais. O general romano Ezio, aliando-se aos Visigodos (uma tribo de godos “godos sábios” que surgiu no IV século na região do Danúbio), os enfrentou e venceu nos famosos “Campos Cataláunicos” (planícies entre Chálons-sur-marne e Troyes, no Norte da França), em 451.
Quando Átila no ano seguinte voltou à Itália, devastando a região do Veneto, foi enviado ao seu encontro o papa Leão I com a tarefa de negociar a paz. Este conseguiu que Átila, que já chegara aos muros de Roma, se retirasse. Posteriormente os Hunos, que haviam sido contagiados pela peste, se retiraram e Átila morreu na Panônia em 453.
Cessado este perigo, o Império, cansado, tinha como chefe efetivo o general Ezio, mesmo se o imperador era Valentiniano III descendente de Teodosio. Morto Valentiniano em 455, os vândalos devastaram Roma e roubaram todas as suas riquezas. Depois de um período em que reinaram vários imperadores controlados pelo bárbaro Ricimeiro, o patrício Orestes fez proclamar imperador o filho de Rômulo Augústulo. Poucos meses depois, Augústulo, foi deposto por Odoacro, chefe do exército bárbaro a serviço do Império, que aceitara, a pedido de Zenão o imperador do oriente, governar a Itália. O ano 476 via o fim do império do Ocidente.

( II )PERSECUÇÕES RELIGIOSAS

As primeiras comunidades cristãs surgiram em conseqüência da Evangelização de Jesus que vivera nos tempos de Augusto e Tibério, dos apóstolos e da predicação itinerante de Paulo de Tarso.
As comunidades cristãs mais importantes foram a de Antioquia, Corinto, Efeso, Alexandria e Roma, e a sua penetração no Império romano não foi sustada nem no período das perseguições comandadas pelos imperadores, destacando-se entre eles Nero, Décio, Valeriano e Diocleciano.
Os motivos das perseguições eram vários: a preocupação das autoridades políticas em vista da força de persuasão das comunidades cristãs que, com sua organização hierárquica, tomavam o vulto de um “Estado dentro de Estado”; a recusa dos cristãos de reconhecer a divindade do imperador; a inquietude da opinião pública que via na crise do Império a vingança dos deuses, e, finalmente, o desejo demonstrado inúmeras vezes de reconstituir no Império as velhas tradições culturais e religiosas da Roma antiga.
Este cenário se alterou com Constantino e Teodosio quando, inicialmente com o Edito de Milão e depois com o de tessalonica, transformaram o cristianismo - que era uma formula religiosa desagregadora - em um elemento constitutivo do Império.
Constantino, depois da sua morte, foi sucedido por três filhos: Constante, Constâncio e Constantino II. Constâncio, que prevaleceu em relação aos irmãos, escolheu como sucessor Juliano, o general que vencera os Alamanos em 357.
Este, recordando-se dos intelectuais e filósofos pagãos, procurou excluir os cristãos dos cargos gerenciais e tentou restaurar o paganismo. Veio a ser chamado pelos cristãos “Juliano o Apostata”, ou seja, o renegado, porque deixara a religião cristã. Para conseguir prestigio junto ao povo, planejou eliminar totalmente o Império Persa, mas morreu em batalha.
Por volta do fim do IV século, os Gothas, alimentados pelos Hunos, se deslocaram até à fronteira do Danúbio e pediram para serem integrados ao Império. Valente, o imperador do oriente aceitou, movido pelo desejo de poder utilizá-los no exercito, mas os continuados saques que eles promoviam nas regiões imperiais que ocupavam forçaram uma guerra.
No ano 378, em Adrianópolis – Tracia, o exército romano foi devastado. Os Gothas, então, invadiram a Tracia e começaram a saquear e destruir tudo. Graciano, imperador do ocidente, preferiu permanecer no trono, enquanto no oriente, em 379, foi eleito imperador um general espanhol: Teodosio. Este, ao invés de continuar combatendo, preferiu contratar a paz. Com isso os Gothas se aliaram ao império, casaram com mulheres romanas e obtiveram cargos gerenciais.
Graziano e Teodosio, em 380, promulgaram o Edito de Tessalonica, através do qual o cristianismo se tornava à única religião permitida no Império. Conseqüentemente, passaram a serem proibidos todos os rituais pagãos, incluindo os sacrifícios, os Jogos olímpicos e os templos.

( I ) ÉDITO DE MILÃO

Após a morte de Constâncio Cloro deflagrou-se a luta da sucessão. Entre todos os pretendentes prevaleceu, no ocidente, o filho de Constâncio Cloro, Constantino I, que posteriormente venceu seu rival Maxêncio, e no oriente, Licínio, nomeado por Diocleciano.
Em 313 os dois imperadores se encontraram em Milão e de comum acordo redigiram o Edito que concedia a liberdade de culto aos cristãos e promulgava leis a seu favor.
Edito original em latim:
(1) Licinius vero accepta exercitus parte ac distributa traiecit exercitum in Bithyniam paucis post pugnam diebus et Nicomediam ingressus gratiam deo, cuius auxilio vicerat, retulit ac die Iduum Iuniarum Constantino atque ipso ter consulibus de restituenda ecclesia huius modi litteras ad praesidem datas proponi iussit: haberemus, haec inter cetera quae videbamus pluribus hominibus profutura, vel in primis ordinanda esse credidimus, quibus divinitatis reverentia continebatur, ut daremus et Christianis et omnibus liberam potestatem sequendi religionem quam quisque voluisset, quod quicquid divinitatis in sede caelesti, nobis atque omnibus qui sub potestate nostra sunt constituti, placatum ac propitium possit existere. (2) "Cum feliciter tam ego [quam] Constantinus Augustus quam etiam ego Licinius Augustus apud Mediolanum convenissemus atque universa quae ad commoda et securitatem publicam pertinerent, in tractatu aptissimam esse sentiret, ut possit nobis summa divinitas, cuius religioni liberis mentibus obsequimur, in omnibus solitum favorem suum benivolentiam que praestare. (3) Itaque hoc consilium salubri ac reticissi ma ratione ineundum esse credidimus, ut nulli omnino facultatem abnegendam putaremus, qui vel observationi Christianorum vel ei religioni mentem suam dederet quam ipse sibi
(4) Quare scire dicationem tuam convenit placuisse nobis, ut amotis omnibus omnino condicionibus, quae prius scriptis ad officium tuum datis super Christianorum nomine videbantur, nunc libere ac simpliciter unus quisque eorum, qui eandem observandae religionis Christianorum gerunt voluntatem, citra ullam inquietudinem ac
molestiam sui id ipsum observare contendant. (5) Quae sollicitudini tuae plenissime significanda esse credidimus, quo scires nos liberam atque absolutam colendae religionis suae facultatem isdem Christianis dedisse. (6) Quod cum isdem a nobis indultum esse pervideas, intellegit dicatio tua etiam aliis religionis suae vel observantiae potestatem similiter apertam et liberam pro quiete temporis nostri concessam, ut in colendo quod quisque delegerit, habeat liberam facultatem. honori neque cuiquam religioni aliquid a nobis .
(7) Atque hoc insuper in persona Christianorum statuendum esse censuimus, quod, si eadem loca, ad quae antea convenire consuerant, de quibus etiam datis ad officium tuum litteris certa antehac forma fuerat comprehensa. Priore tempore aliqui vel a fisco nostro vel ab alio quocumque videntur esse mercati, eadem Christianis sine pecunia et sine ulla pretii petitione, postposita omni frustratione atque ambiguitate restituant; (8) qui etiam dono fuerunt consecuti, eadem similiter isdem Christianis quantocius reddant, etiam vel hi qui emerunt vel qui dono fuerunt consecuti, si petiverint de nostra benivolentia aliquid, vicarium postulent, quo et ipsis per nostram clementiam consulatur. Quae omnia corpori Christianorum protinus per intercessionem tuam ac sine mora tradi oportebit. (9) Et quoniam idem Christiani non [in] ea loca tantum ad quae convenire consuerunt, sed alia etiam habuisse noscuntur ad ius corporis eorum id est ecclesiarum, non hominum singulorum, pertinentia, ea omnia lege quam superius comprehendimus, citra ullam prorsus ambiguitatem vel controversiam isdem Christianis id est corpori et conventiculis eorum reddi iubebis, supra dicta scilicet ratione servata, ut ii qui eadem sine pretio sicut diximus restituant, indemnitatem de nostra benivolentia sperent. (10) In quibus omni bus supra dicto corpori Christianorum intercessionem tuam efficacissimam exhibere debebis, ut praeceptum nostrum quantocius compleatur, quo etiam in hoc per clementiam nostram quieti publicae consulatur. (11) Hactenus fiet, ut, sicut superius comprehensum est, divinus iuxta nos favor, quem in tantis sumus rebus experti, per omne tempus prospere successibus nostris cum beatitudine publica perseveret. (12) Ut autem huius sanctionis benivolentiae nostrae forma ad omnium possit pervenire notitiam, prolata programmate tuo haec scripta et ubique proponere et ad omnium scientiam te perferre conveniet, ut huius nostrae benivolentiae [nostrae] sanctio latere non possit."
Tradução:
(1) Não muitos dias depois da vitória Licinio, tendo assumido ao seu serviço uma parte dos soldados e tendo-os distribuído apropriadamente, deslocou o seu exercito para Bitinia e, tendo entrado em Nicomedia agradeceu a Deus, cuja ajuda lhe havia permitido a vitória; e aos idos de junho, enquanto ele e Constantino eram cônsules pela terceira vez, emitiu o seguinte Edito para a restauração da igreja dirigido aos governadores das províncias.
(2) Quando nos, os imperadores Constantino e Licino, nos encontramos em Milão, discutimos os aspectos relativos ao bem estar e a segurança publica, concluindo que entre as medidas que poderiam trazer vantagens à humanidade, a reverencia à divindade merecia à nossa atenção principal. Assim sendo, era justo oferecer aos cristãos e a todos os demais cidadãos romanos a liberdade de seguir a religião que cada um julgue preferível; para que aquele Deus que está sentado no céu possa ser benigno, e favorável a nos e a todos aqueles que estão sob o nosso governo.
(3) Conseqüentemente julgamos uma boa medida, e isso corresponde a um bom julgamento, que a nenhum homem seja negada a faculdade de aderir aos rituais dos cristãos, ou de qualquer outra religião que lhe seja sugerida pela sua mente, afim de que a divindade suprema, a cuja devoção nos dedicamos livremente, possa continuar a nos distinguir com a sua benevolência e favores.
(4) Conseqüentemente vos damos ciência que, cancelando toda e qualquer ordem precedente relativa aos cristãos, a todos aqueles que escolherem essa religião deve ser permitido permanecer em absoluta liberdade, e não devem ser importunados de nenhuma maneira. (5) E acreditamos que seja justo repetir que, entre as coisas que entregamos à tua responsabilidade, a indulgência que atribuímos aos cristãos em matéria religiosa é ampla e incondicional; (6) e que você entenda que da mesma forma o exercício aberto e tranqüilo da própria religião é acordado a todos os demais, da mesma forma que foi acordado com os cristãos. Em verdade é oportuno para a estabilidade do Estado, e para a tranqüilidade dos nossos tempos, que a cada individuo seja permitido praticar a religião segundo a sua própria escolha; e a esse respeito não prevemos alterações pela honra devida a cada religião.
(7) alem disso, no que diz respeito aos cristãos, no passado demos certas ordens relativas aos locais em que estes se serviam para as suas assembléias religiosas. Agora desejamos que todas as pessoas que adquiriram estes locais, do Estado ou de quem quer que seja, os devolvam aos cristãos sem nada pedir em troca, e que isso seja feito sem nenhuma hesitarão. (8) Desejamos ainda que os que obtiveram algum direito sobre estes locais, como doação, similarmente restituam esse direito aos cristãos: reservando sempre os direito a aqueles, que adquiriram pagando um preço ou receberam gratuitamente, de pleitear ao juiz do distrito um bem equivalente. Todos esses lugares devem, em virtude da tua intervenção, serem restituídos aos cristãos imediatamente e sem delongas. (9) E considerando que aparentemente, alem dos locais dedicados aos cultos religiosos, os cristãos possuíam outros locais que não pertencias a indivíduos, mas as suas comunidades, ou melhor, igrejas, todas estas coisas queremos que sejam inclusas na lei supra exposta, e desejamos que sejam devolvidas as comunidades ou igrejas sem hesitação ou controversa: sempre permanecendo aberta a possibilidade, para aqueles que restituem sem nada cobrar, de solicitar uma indenização confiando na nossa benevolência.
(10) Na execução de tudo o que foi exposto a favor dos cristãos, deveras ser muito diligente afim de que nossas ordens sejam cumpridas sem demora para que seja satisfeito o nosso objetivo de assegurar a tranqüilidade publica. (11) E assim possa o favorecimento divino, do qual já gozamos nos assuntos da mais grave importância, continuar a nos acordar o sucesso para o bem da causa publica. (12) E com a finalidade que este edito seja de conhecimento de todos, desejamos que fazendo uso da tua autoridade você consiga que seja publicado em todos os lugares.
Deduz-se do texto, como alias é afirmado por muitos, que foi Licinio e não Constantino o mentor da idéia que permitiu a liberdade de culto aos cristãos, cabendo a este ultimo não apenas aplaudi-la, mas explorá-la em todos os seus aspectos políticos em seu próprio beneficio. Se tivesse sido o inverso, ou seja, se o edito de Milão tivesse sido o fruto do desejo de Constantino de se converter ao cristianismo, não teria permanecido o sacerdote que sempre fora do deus sol. Em verdade, o imperador muitos anos depois se converteu ao cristianismo, mas o fez nos últimos dias da sua vida: abraçou o gnosticismo de Ario.
Licínio e Constantino, alem de imperadores eram cunhados, porque a irmã desse ultimo havia se tornado a esposa do primeiro. Mas isso não impediu que a luta que a muitos anos estava amadurecendo entre os dois chegasse a eclodir.
Havia inúmeros motivos para isso, mas a rivalidade acerbara-se insustentavelmente porque os cristãos do oriente, que era o império de Licinio, admiravam mais Constantino do que o seu imperador, visto que este não se limitava a permitir liberdade de culto, mas, alem de doar-lhes vultuosas somas de dinheiro para a construção de igrejas, nomeava cristãos para cargos públicos de primeira linha, fortalecia e lisonjeava os bispos, e criara um corpo de guarda pessoal que ostentava um crucifixo como insígnia.
No entanto, a raiz de toda essa encenação não era cristã, mas política: o imperador Constantino I como sumo-sacerdote do deus sol, para os pagãos era o melhor pagão, e para os cristãos se esforçava para ser o melhor cristão.
No ano 324 deu-se o primeiro confronto, e Constantino, mesmo com um exercito menor, venceu Licinio em varias batalhas, até que não lhe restou alternativa a não ser se render. A pedido da irmã, que pedira clemência para o marido, em um primeiro momento Licinio foi poupado, mas depois, devido a outros envolvimentos, foi executado. Constantino tornou-se assim o único imperador e como tal mais tarde transferiu à capital para Bizâncio chamando-a Constantinopla.
Voltou a equipar o exército, ampliou a administração estatal e adotou as providencias que julgou oportunas para assumir uma imagem semelhante à de um soberano oriental, em outras palavras, envolveu-se por uma auréola sacral. Em relação ao cristianismo adotou políticas que lhe eram sempre mais favoráveis, chegando a exortar seus súditos orientais a abraçar esta religião. Alem disso, começou a confiar aos cristãos cargos cada vez mais altos seja no exército como na administração.
Depois de vencer os Gothas em 332, cinco anos depois, em 337, Constantino morreu durante os preparativos para enfrentar os Persas.

Atingindo um período de nova compreensão concernente aos mais graves problemas da vida, a sociedade da época sentia de perto a insuficiência das escolas filosóficas conhecidas, no propósito de solucionar as suas grandes questões. A idéia de uma justiça mais perfeita para as classes oprimidas tornara-se assunto obsidente para as massas anônimas e sofredoras. Em virtude dos seus postulados sublimes de fraternidade, a lição de Cristo representava o asilo de todos os desesperados e de todos os tristes. As multidões dos aflitos pareciam ouvir aquela misericordiosa exortação: - “Vinde a mim, vós todos que sofreis e tendes fome de justiça e eu vos aliviarei” – e da cruz chegava-lhes, ainda, o alento de uma esperança desconhecida.
A recordação dos exemplos do Mestre não se restringia aos povos da Judéia, que lhe ouviram diretamente os ensinos imorredouros. Numerosos centuriões e cidadão romanos conheceram pessoalmente os fatos culminantes das pregações do Salvador. Em toda a Ásia Menor, na Grécia, na África, e mesmo nas Gálias, como em Roma, falava-se d´Ele, da sua filosofia nova que abraçava todos os infelizes, cheia das claridades sacrossantas do reino de Deus e da sua justiça. Sua doutrina de perdão e de amor trazia nova luz aos corações e os seus seguidores destacavam-se do ambiente corrupto do tempo, pela pureza de costumes e por uma conduta retilínea e exemplar.
A principio, as autoridades do Império não ligaram maior importância à doutrina nascente, mas os Apóstolos ensinavam que, por Jesus Cristo, não mais poderia haver diferenças entre os livres e os escravos, entre os patrícios e plebeus porque todos eram irmãos filhos do mesmo Deus. O patriciado não podia ver com bons olhos semelhante doutrina. Os cristãos foram acusados de feiticeiros e heréticos, iniciando-se o martirológio com os primeiros editos de proscrições. O Estado não permitia outras associações independentes além daquelas consideradas como cooperativas funerárias e, aproveitando essa exceção, os seguidores do Crucificado começaram os famosos movimentos das catacumbas.
Fonte livro “A Caminho da Luz” pelo espírito Emmanuel
e psicografado por Francisco Candido Xavier